Uma árvore morta… cheia de vida

Uma das nossas nogueiras, que há uns tempos estava a ficar pasmada, segundo palavras dos vizinhos, partiu a meio numa noite de tempestade. Passada a primeira reação de alívio – o vento tinha-nos poupado muito trabalho e, sobretudo, evitado um acidente – parecia inevitável que, tal como os ramos caídos, o destino do tronco fosse acabar em toros para a lareira.

Acontece que este depressa se tornou poleiro privilegiado para aves de todos os tamanhos e decidimos mantê-lo nessa função.

Entretanto passaram dois invernos e, no devir das estações, o velho tronco já não se limita a ser miradouro. Passou também a ser utilizado como fonte de alimento e habitação para inúmeras espécies de toda a ordem: é hotel para insetos, cujos ocupantes vão abrindo galerias à sua medida, nutriente para fungos gigantes, que lhe acrescentam matéria tão dura como madeira, sombra e substância para frágeis cogumelos, que brotam junto às raízes, amparo para heras e musgos.

Entretanto, permitiu-nos deliciarmo-nos com o som e a visão de pica-paus a abrirem furos sucessivos. Um destes dias, tive a surpresa de ver um bico a sair do buraco maior, depois todo o corpo, que ali ficou por um instante antes de desaparecer num voo colorido.

Foi aí que descobri que um velho tronco não é apenas um tronco apodrecido, é um incrível oásis de biodiversidade.

Desigual

Esta reflexão ocorreu-me quando, numa visita cá a casa, alguém me elogiou a originalidade dos chinelos de andar por casa, perguntando-me onde os tinha comprado. Vi na sua expressão que não dei a resposta esperada: eram simplesmente exemplares desirmanados. Ou seja, se um chinelo se estraga, em vez de deitar fora o par completo, guardo aquele que ainda está em boas condições. Às vezes, dá-se o acaso feliz de ter um pé direito e um pé esquerdo em bom estado, embora de cores diferentes. E o “erro” da resposta foi esse: se fossem de uma marca qualquer os chinelos seriam invulgares, no caso revelavam apenas a forretice da proprietária, pois um par de chinelos custa tuta e meia. Incapaz de mandar para o lixo objetos perfeitamente válidos, há situações em que não vale a pena explicar que a questão vai muito para além do preço das coisas.

Mas depois fiquei a pensar nisso. Como somos capazes de pagar bem por peças distintas em marcas de renome (o nome deste post não é inocente), mas somos incapazes de criar a nossa própria originalidade com um remendo numa peça, meias de cores diferentes (e se há peças desirmanadas são as meias) ou um vinco na bainha das calças quando os nossos filhos crescem. Sei que a, maior parte das vezes, as atitudes são condicionadas pela educação e pressão social. Conheço pessoas que ficam chocadas quando veem uma mesa posta com pratos ou copos que não combinam, e já assisti a uma discussão conjugal por alguém ter servido vinho branco num copo de tinto.

Como a maioria, gosto de uma mesa posta com o primor dos dias de festa. No entanto, as refeições mais memoráveis que já fiz foram em casas onde o menos importante eram os objetos que enfeitavam a mesa; numa delas nem mesa havia: apenas uma soleira à volta da casa, onde cada um se acomodava à sombra. Em ambos os casos as refeições eram deliciosas, mas muito simples, porque o importante era a partilha, os momentos em que estávamos juntos, a conversa, e não o tempo que os anfitriões passaram a elaborar a ementa ou a aperfeiçoar cada pormenor.

Essa desconstrução de atitudes tem de ser de responsabilidade individual. Frequentemente ouço culpar a sociedade de consumo, como se fosse uma entidade abstrata, a que nós somos obrigados a obedecer. E, quase sem dar conta, vamo-nos adaptando ao que os outros querem, dizem, pensam. Escondendo aquilo que realmente somos, sentimos, pensamos. E calçamos, vestimos, penteamo-nos, decoramos a casa, de acordo com o gosto dos outros, o olhar dos outros.

Com o tempo, com as perdas, com a idade, vou aprendendo que o mais importante é estarmos bem com aquilo que somos. E nem imaginam como me sinto bem com os meus chinelos desiguais, os remendos que vão prolongando a vida das peças, como esta “cama” da cadela, a mesa posta com louças que não combinam. Só assim estarei à vontade para abrir a porta, a qualquer momento, a quem quer que apareça. Sem constrangimentos, de alma aberta, com todas as suas imperfeições.

Laranja: desperdício zero

No post anterior tinha prometido contar o que faço às cascas das laranjas que consumimos de forma tão compulsiva. E se vos disser que as bebo, como, lavo a louça, limpo o forno e as prateleiras da cozinha?

Isso mesmo. Há tempos descobri o poder desengordurante das cascas dos citrinos. O que nem deveria ser novidade, uma vez que o detergente para a louça que uso, de marca branca de um hipermercado, é feito à base de citrinos. Ou pelo menos é isso que apregoa. Porque, apesar de ter o selo Ecolabel da União Europeia, não menciona os ingredientes utilizados e de citrinos verdadeiros pode ter só a cor.

Numa busca por detergentes naturais tropecei nesta ideia e fiquei tão entusiasmada que passei parte da tarde a limpar as superfícies mais hardcore que tinha na cozinha: o filtro do exaustor, a manteigueira, a porta do forno. E não é que passou o teste na perfeição?

Para simplicar:vai-se guardando as cascas de laranjas comidas durante 1 ou 2 dias (percebi que não adianta passar para além disso, porque as cascas ganham bolor muito depressa. Também aprendi que é melhor que sejam cascas de laranja mesmo, as de clementinas, por serem mais finas, secam num instante).

Num liquidificador ou com a varinha mágica, trituram-se as cascas da laranja com água q.b., até obter uma pasta granulosa. Deixa-se essa pasta a coar, utilizando um guardanapo de pano ou uma gaze, durante algumas horas ou de um dia para o outro. Em vez em quando, pode apertar-se para obter um líquido mais pastoso.Usa-se esse líquido resultante para desengordurar o que for necessário e/ou como detergente de louça.

Confesso que não é todos os dias – ou semanas – que tenho tempo ou vontade de fazer o detergente e lá volto ao habitual mas gosto cada vez mais da sensação de estar a usar um produto totalmente natural e, além disso, aproveitar um recurso que iria para o lixo.

Este domingo, como as laranjas tinham sido oferecidas por um amigo, resolvi levar o aproveitamento ao limite. Ao ver toda a casca triturada que sobrou, lembrei-me de a acrescentar não apenas à base da tarte que ia fazer mas também ao recheio, feito à base de frutas do verão e do outono que tinha congelado.

Com outro pedaço fiz um chá, simplesmente deitando água quente sobre a polpa. Só depois de me ter deliciado com o sabor descobri as propriedades anti-inflamatória, antioxidantes e digestivas da infusão.

No final do dia o resultado foi
Desperdício: zero. Utilizações: várias, úteis e saborosas.

Para dar outro uso às cascas de laranja não faltam mais ideias aqui.

Obviamente, congelo-o

Sabem quando estão prestes a ir de férias e, por mais que tentem gastar tudo, sobra sempre alguma fruta ou legumes no frigorífico? Ou quando algum amigo ou vizinho vos traz mais do que conseguem consumir? Claro que sabem. E, se há alturas em que há tempo para transformar o excesso em compotas e gelados, noutras ocasiões só nos resta ser inventivos.

Foi o que aconteceu há umas semanas, quando me deparei com demasia de limões. Primeiro transformei-os em sumo, que congelei em cuvetes de gelo, para limonadas e temperos futuros. Mas depois fiquei a olhar para as cascas, sem coragem de as deitar ao lixo (as cascas de citrinos não devem ir para o compostor). Pensei que às vezes compro limões especificamente para usar a raspa, mas raspar as cascas quando já não têm sumo não é fácil e, além disso, não via como podia guardar a raspa de forma a poder utilizar a quantidade que fosse necessária na altura. Resolvi então fazer uma experiência: congelar as cascas assim mesmo.

Descobri que basta passar uns segundos por água fria e a raspa sai tão fresca e saborosa como a de um limão acabado de comprar. Agora tenho sempre raspa de limão quando preciso: para um bolo ou mousse de chocolate, para acrescentar à carne picada dos hamburgueres, para aromatizar o requeijão. Como bónus descobri que o resto da polpa já sem casca pode ir para o compostor sem problemas.

Cada vez mais atenta ao desperdício alimentar (segundo notícias, cada um de nós desperdiça em média 132 Kgs por ano!), passei também a aproveitar os troncos dos brócolos e couve-flor. Fazia-me impressão descartar aquela parte mais dura mais ainda comestível. Agora ponho-os de parte, corto em pedaços e, obviamente, congelo-os. Uso depois em sopas, caldos de legumes, refogados, até na travessa dos assados.

Obviamente, congelo tudo o resto que não vai ser consumido de imediato. Aos tomates, que este ano me foram oferecidos em abundância (a colheita da minha horta foi muito fraca), conservo-os de várias formas: os mais pequenos vão direitos para o congelados, aos outros tiro-lhes a pele e sementes e simplesmente passo por varinha mágica ou então faço molho de tomate mais elaborado, para usar como base de pizas ou numa massa com restos de carne assada.

Aproveito também para vos convidar a ler este artigo, para mostrar os números avassaladores do desperdício alimentar e como este engloba “questões ambientais, económicas, sociais e éticas”.

Quando chegar a época, mostro o que faço com as cascas das laranjas…

Semiquente

Podia bem ser uma gaffe, daquelas em que a que escreve estas linhas é perita. A mesma pessoa que um dia, ao balcão de uma mercearia, pediu “um litro de leite meio magro”, a que noutro balcão de outra mercearia, ainda menina e já esquecida do pedido da mãe, mas tendo a certeza de que não era branco, disse estar ali para levar “uma garrafa de vinho preto”, aquela em cuja cabeça de atropelam as coisas ao ponto de afirmar, cheia de segurança, “para mim, um compal de queijo”, e só não sigo com a lista de desastres para não vos maçar mais.

Mas não, o quase quente é uma homenagem a este verão do meu contentamento. O verão mais verde e florido de que tenho memória, o verão que tem regado a horta por mim, aquele que bem poderia ser o paradigma de todos os verãos futuros – sem incêndios nem dramas maiores que um dia de praia estragado.

E, além disso, quem raio se lembrou de chamar semifrio a uma sobremesa que passa todo o seu tempo de vida no congelador?

E assim vos deixo algum food for thought, antes de avançar com a receita que irá alimentar o estômago e é realmente um deleite para os olhos e para as papilas gustativas. Quando ao nome, chamem-lhe o que quiserem. Por exemplo “Gelado de framboesa e coco para cortar às fatias” ou “Bandeira austríaca com fruta no meio”.

Num tacho, adicione 140 gramas de açúcar a 125 ml de água e leve ao lume até ferver. Junte 350 gramas de framboesas (ou morangos ou outros frutos vermelhos) e triture até obter um puré. Deixe arrefecer.
Depois de frio, deite metade deste puré numa forma de bolo inglês e leve ao congelador durante cerca de 1 hora.
Entretanto, numa taça misture 300 ml de leite de coco, 200 ml de natas (1 pacote), 30 gramas de coco ralado (opcional) e 90 gramas de açúcar. Verta em cima do puré de framboesas que levou ao congelador. Cerca de 30 minutos depois, quando o creme de coco estiver meio sólido, acrescente uma fila de framboesas, de forma a que cada fatia possa ficar com alguma parte do fruto. Quando o creme estiver congelado, junta-se o restante puré.
O ideal é tirar a sobremesa do congelador cerca de 15/20 minutos antes de servir, de forma a poder retirar a sobremesa e cortar em fatias.

Se depois lhe disserem, como cá em casa: “mãe, está bué bom! Onde é que compraste?”, respire profundamente, conte até 10 e depois sorria.
Ou então faça planos para deserdar a criança. 
Só pode ser um semifilho, aquele que se atreve a desdenhar dos dotes culinárias da progenitora.

Cheira a quarta-feira

Apesar de parecer o contrário, este post não é sobre comida. É sobre rituais que nos dão um sentido de identidade, sobre a segurança que se sente ao regressar a casa, sobre a importância das pequenas coisas, sobre aquilo que nos torna uma família.

Há vários anos, ainda em Espinho, decidi criar um novo hábito, que quebrasse a aborrecida rotina semanal das crianças, de que elas se fartavam tanto ou mais do que nós. Um casa-escola-casa arrastado penosamente durante cinco longos dias, praticamente todos iguais mesmo nos momentos domésticos: TPC, brincar, tomar banho, jantar, ir para a cama. Como a quarta-feira era o dia em que ambos saíam mais cedo, passei a instituir “a sobremesa das quartas”. Em vez de relegar a doçaria para os fins de semana, quando houvesse tempo e/ou jantares com amigos, arranjei oportunidade para um novo momento de expectativa e alegria.

E se às vezes a sobremesa já estava preparada quando chegavam a casa, criando o elemento surpresa – “o que será que a mãe planeou desta vez” –, noutras ocasiões pedia-lhes ajuda, dando largas à correria aos aventais e utensílios, aos dedos lambuzados, à impaciência de terem de esperar que a sobremesa crescesse no forno ou arrefecesse no frigorífico.

Depois mudámo-nos e no meio de novas rotinas essa ficou pelo caminho. Até há uns 3 anos, em que reparei que as novas exigências da escola e o tempo cada vez mais escasso, tornavam ainda mais imperativo resgatar esse velho hábito. Eles cresciam mas não perdiam a necessidade desses momentos de partilha, mantinham a curiosidade e o desejo de serem surpreendidos.

Foi assim que as quartas se tornaram novamente o dia por excelência das sobremesas, assim como de uma espécie de caça ao tesouro que é tentarem descobrir qual é o doce do dia, pelos sinais ou espreitadelas ao frigorífico.

Para mim também se tornou um desafio, tentar não me repetir e ceder ao óbvio, inovar, simplificar, inventar quando é preciso (nem sempre corre bem mas também isso faz parte do jogo). Dar-me conta de que não tenho ovos mas conseguir arranjar uma receita de bolo que prescinde deles, substituir um ingrediente por outro, conseguir grandes sucessos e enormes falhanços.

Há semanas consecutivas em que tudo corre muito bem, porque planeio com antecedência, guardando receitas para as seguintes. Outras ainda em que simplifico ao máximo: com sorte haverá sempre um pacote de gelatina para as emergências. Outras ainda em que só quase ao fim do dia me dou conta que já chegamos a quarta, ou estou demasiado cansada, e então trago a sobremesa pronta do supermercado. A intenção é cumprir um ritual, não criar momentos perfeitos.

E depois há o dia em que trazes o filho adolescente da escola, que ao abrir a porta diz, com evidente contentamento: “cheira a quarta-feira”.
Eu avisei que este post não era sobre comida…

Sua Majestade, a uva

Não pensem que exagero, ao tratar com tanta cerimónia os cachos (ou gaipos, como se dizia na minha infância) que crescem no fundo do nosso quintal. É que não se trata de uma qualquer vinha plebeia: produz Uvas de Rei, também conhecida noutras terras como Marufo, Mourisco Tinto, Moroco ou Olho de Rei, casta do nordeste com que se faz também o vinho do Porto, segundo informações recolhidas no vasto mundo da net.

Estas uvas anafadas, de sangue bem vermelho e surpreendentemente doces são aqui tratadas com tudo o que merecem. Neste bucólico SPA as vinhas são nutridas com a mais pura água da chuva, têm os pés massajadas por ventos e brisas, e marcação para cuidadoso corte anual. Sempre rodeadas da mais perfeita sinfonia, orquestrada por aves de diferentes tamanhos e feitios.
Doutros “tratamentos” estão livres. Enxofres e adubos, pesticidas e herbicidas são produtos que não entram no cardápio, por isso as debicamos sem preocupação.

Quando estão maduras tratamos-lhe da saúde, antes que os bandos de estorninhos o façam, de forma rápida e radical. Chegam então à mesa, acabadas de apanhar ou transformadas em variadas sobremesas, todas majestosas. Eis algumas ideias.

Tarte Soberana
Cortam-se a meio duas chávenas de uvas lavadas, mantendo a casca mas retirando as grainhas. Colocam-se as uvas numa panela com 1 chávena de açúcar, 1 colher de sopa de sumo de limão e uma pitada de sal. Leva-se a lume brando durante cerca de 25 minutos e deixa-se arrefecer.
Entretanto forra-se a tarteira com uma folha de massa areada deitando as uvas por cima. Cobrir com um crumble (misturar 150 gramas de farinha com 100 gramas de manteiga e 70 gramas de açúcar, de forma a obter uma massa granulosa que é colocada sobre as uvas). Levar ao forno a 180º por 25 minutos.
Se desejar, servir com natas batidas sem açúcar.

Sorvete Imperial
Lavam-se e pesam-se 700 gramas de bagos de uva inteiros (com casca e grainhas). Colocam-se numa panela com 1 dl de água a ferver durante 5 minutos. Reduz-se o lume e deixa-se cozer durante mais 10 minutos. Nesta altura, e com a ajuda de uma colher de pau, pode ir esmagando os bagos para que libertem mais sumo.
Deixa-se arrefecer por um bocado e depois passa-se tudo por um escorredor de rede, descartando as cascas e grainhas. A seguir junta-se ao líquido 100 gramas de açúcar, mexendo bem.
Quando a mistura estiver bem fria deita-se na sorveteira. Quem não tiver sorveteira pode colocar diretamente no congelador, mexendo com um garfo de hora em hora (2 ou 3 vezes) para evitar que se formem cristais.

Compota Monarca
Junte 500 gramas de açúcar por cada quilo de uvas (com casca mas sem grainhas). Adicione 2 estrelas de anis. Leve ao lume até formar o ponto estrada.

Todas estas receitas (de nomes improvisados para realçar a realeza da casta) podem ser feitas com qualquer tipo de uvas. No entanto, o ideal é que sejam biológicas, para evitar todos os produtos com que as vinhas são normalmente pulverizadas.

Missão férias: resgate do lixo

As férias fora de casa podem servir para muitas coisas: quebrar a rotina, conhecer sítios novos, entrar em contacto com outras formas de estar e de viver, provar novos sabores e formas de cozinhar, construir memórias e estreitar laços, descansar, … a lista é longa e cada um fará a sua, com prioridades diferentes.

Não servem, pelo menos para nós, para relaxar no que é importante. E importante é carregar na bagagem diária o respeito pelos outros e pelo ambiente que nos rodeia.

É por isso que quando vamos para o poiso habitual na Galiza, no final da estadia vimos com o carro carregado de vidros e papel até ao ecocentro mais próximo. Não é por estarmos fora de casa que deixamos de separar o lixo. Os cantis, para encher com água da torneira, também viajam sempre connosco, seja para um destino próximo ou distante.

Não é por estarmos de férias, que passamos mais tempo no duche ou deixamos as luzes acesas sem necessidade; o facto dessas despesas estarem incluídas no preço da estadia não nos leva a a achar que podemos desperdiçar recursos sem problemas de consciência. O mesmo com as tolhas de banho, que não mudamos mais vezes do que faríamos em casa. O mesmo com tudo, enfim.

Por isso, é com naturalidade que os garotos interrompem um passeio de caiaque para trazer para a margem um enorme volume que andava a vogar por ali. Infelizmente, o mar continua a ser o caixote do lixo que se encarrega de levar para longe ou para as profundezas aquilo que ninguém quer.

Desse “lixo” temos vindo a recolher nos areais galegos caixas que os pescadores deitam ao mar, sabe-se lá porquê. Se há uma ou outra que se encontram partidas, muitas encontram-se em perfeito estado, jazendo na praia à espera que as marés de inverno as levem novamente de volta para o Atlântico. Cá em casa vão encontrando destino, seja para conservar as colheitas da horta, seja para servirem como arrumo provisório da roupa a ser dobrada ou para ir depositando quinquilharias várias.

São gestos pequenos, que não mudam o mundo mas que o tornam um bocadinho, mesmo que só um bocadinho, melhor. E as férias também podem servir para isso.

Pudim de verão

Admito, não é uma sobremesa lá muito fotogénica. Digamos que, no caso, é como os livros ou as pessoas: não devem ser julgados pela capa. Acreditem apenas se vos disser que é maravilhosa. Ou não acreditem. É a minha sobremesa favorita. Ponto.

Facílimo de fazer, quase sem lume, este pudim tipicamente inglês é ideal para os dias de calor – e para os outros todos.

Os ingredientes:
8 fatias de pão de forma (integral, de preferência)
750 gramas de frutos vermelhos variados (frescos ou congelados)
1 laranja grande
raspa de 1 limão
160 gramas de açúcar

Em primeiro lugar, ponha os frutos num tacho, juntamente com o açúcar, raspa e sumo da laranja e raspa do limão. Deixe em lume brando durante cerca de 10 minutos (ou um pouco mais, se os frutos forem congelados, é importante que fiquem macios).

Entretanto, vá retirando as côdeas do pão de forma (pode também comprar já sem côdea, mas… a sério? Os poucos segundos que vai gastar, não compensam a diferença do preço. O ideal mesmo, se conseguir, é comprar pão de forma numa padaria de confiança e evitar os pães pré-embalados.). Forre o fundo e os lados de uma forma pequena com o pão, assim:

Reserve 3 ou 4 colheres de sumo de frutos vermelhos e deite a mistura de frutos ainda bem quente na forma. Tape com as fatias restantes, comprimindo bem. Retire o pão em excesso, dos lados.

Deixe arrefecer e leve ao frigorífico, se preferência de um dia para o outro. Se algum bocado de pão não tiver absorvido bem os sucos dos frutos, aqueça ligeiramente o sumo que reservou e coloque por cima, com a ajuda de uma colher.

Pode servir acompanhado por natas batidas ou iogurte grego natural.
Ou simples, como eu gosto. Muito.

Norça! Comer urtigas?

Ando nisto há várias primaveras: lá para finais de março penso que tenho de estar atenta ao crescimento das urtigas, para as apanhar na melhor altura, mas há sempre qualquer coisa que acontece: um pico de trabalho, semanas de chuva, uma pitada de distração e num instante, quando dou por isso já as urtigas espigaram, passando da época para serem colhidas.
Até semana passada. Com cesto, luvas e uma tesoura de podar fui para o campo, ou antes para os limites do meu terreno, onde tenho a certeza que as ervas não são atingidas por pulverizações daninhas.

Enquanto vou colhendo folhas e rebentos mais tenros pergunto-me quando é que esta planta deixou de ser consumida de forma regular. Afinal tem vastas propriedade terapêuticas, é rica em vitaminas, ferro e magnésio, em tempos foi mesma usada em têxteis. Além disso pode ser usada em inúmeras receitas culinárias, de sopas a bolos. No meu caso, e porque tinha ouvido dizer maravilhas, optei por fazer um esparregado.

Claro que dá mais trabalho do que usar espinafres. É precisar usar luvas enquanto se separam as folhas dos talhos, que têm demasiada fibra. Mas depois de 1 ou 2 minutos a ferver em água, as urtigas perdem o seu poder urticante podendo, a partir daí, ser usadas para vários fins. Acham que é uma excentricidade? Então vejam estas receitas: de pesto a piza, de quiche a lasanhas, tudo se pode fazer com urtigas.

Se as urtigas terão desaparecido dos hábitos culinários de Trás-os-Montes (apesar de constarem em livros de receitas da região), o mesmo não se poderá dizer da norça. Esta planta trepadeira continua a fazer parte das refeições dos meus vizinhos, que a consomem em ovos mexidos depois de salteados num pouco de azeite e alho. Têm de ser apenas os rebentos mais tenros, dizem-me eles, e não deve ser consumida em excesso. Colhi-os no mesmo recanto sombrio e experimentei fazer uma omelete.


Acompanhada de uma salada de meruge é que sabia bem… mas isso fica para outra colheita.