Apesar de parecer o contrário, este post não é sobre comida. É sobre rituais que nos dão um sentido de identidade, sobre a segurança que se sente ao regressar a casa, sobre a importância das pequenas coisas, sobre aquilo que nos torna uma família.
Há vários anos, ainda em Espinho, decidi criar um novo hábito, que quebrasse a aborrecida rotina semanal das crianças, de que elas se fartavam tanto ou mais do que nós. Um casa-escola-casa arrastado penosamente durante cinco longos dias, praticamente todos iguais mesmo nos momentos domésticos: TPC, brincar, tomar banho, jantar, ir para a cama. Como a quarta-feira era o dia em que ambos saíam mais cedo, passei a instituir “a sobremesa das quartas”. Em vez de relegar a doçaria para os fins de semana, quando houvesse tempo e/ou jantares com amigos, arranjei oportunidade para um novo momento de expectativa e alegria.

E se às vezes a sobremesa já estava preparada quando chegavam a casa, criando o elemento surpresa – “o que será que a mãe planeou desta vez” –, noutras ocasiões pedia-lhes ajuda, dando largas à correria aos aventais e utensílios, aos dedos lambuzados, à impaciência de terem de esperar que a sobremesa crescesse no forno ou arrefecesse no frigorífico.

Depois mudámo-nos e no meio de novas rotinas essa ficou pelo caminho. Até há uns 3 anos, em que reparei que as novas exigências da escola e o tempo cada vez mais escasso, tornavam ainda mais imperativo resgatar esse velho hábito. Eles cresciam mas não perdiam a necessidade desses momentos de partilha, mantinham a curiosidade e o desejo de serem surpreendidos.
Foi assim que as quartas se tornaram novamente o dia por excelência das sobremesas, assim como de uma espécie de caça ao tesouro que é tentarem descobrir qual é o doce do dia, pelos sinais ou espreitadelas ao frigorífico.

Para mim também se tornou um desafio, tentar não me repetir e ceder ao óbvio, inovar, simplificar, inventar quando é preciso (nem sempre corre bem mas também isso faz parte do jogo). Dar-me conta de que não tenho ovos mas conseguir arranjar uma receita de bolo que prescinde deles, substituir um ingrediente por outro, conseguir grandes sucessos e enormes falhanços.

Há semanas consecutivas em que tudo corre muito bem, porque planeio com antecedência, guardando receitas para as seguintes. Outras ainda em que simplifico ao máximo: com sorte haverá sempre um pacote de gelatina para as emergências. Outras ainda em que só quase ao fim do dia me dou conta que já chegamos a quarta, ou estou demasiado cansada, e então trago a sobremesa pronta do supermercado. A intenção é cumprir um ritual, não criar momentos perfeitos.
E depois há o dia em que trazes o filho adolescente da escola, que ao abrir a porta diz, com evidente contentamento: “cheira a quarta-feira”.
Eu avisei que este post não era sobre comida…