Construções na areia

É alvo dos primeiros fascínios. Mal se consegue sentar, qualquer criança posta na praia tem curiosidade de saber que material estranho é aquele, que tanto escorre pelos dedos, como se forma numa bola à medida das suas mãos, que é frio, quente, seco, molhado. Que sabe bem ou mal, conforme os gostos, mas não se desfaz na língua.
Não é à toa que uma caixa com areia é equipamento indispensável para quem tem jardim; horas de entretinimento garantidas num mundo onde se dá largas à imaginação.

Arriscaria a dizer que um balde, pá e ancinho – sem esquecer a peneira, onde sempre aparecem tesouros improváveis – são os brinquedos mais habituais em cada casa, sem distinção de género, gerações, classe, nacionalidade. E esquecê-los em casa, a caminho de um dia na praia, é drama pior do que não ter trocos para o gelado.

Na memória de qualquer um de nós há, de certeza, faustosos castelos, buracos feitos à borda d’água na esperança, vã, que se enchessem com a maré, túneis escavados até onde o braço chegava. Manhas que nos distraíam das horas que faltavam até à hora do banho ou nas manhãs nortenhas de vento e nevoeiro.

Na memória dos meus filhos há tudo isso, mais os barcos decorados com algas e conchas, onde são marinheiros destemidos e náufragos a lutar contra a teimosia das ondas. E ao fim do dia ainda serve para o (as)salto ao barco; ganha quem voar mais alto.

Agora que vão crescendo, as competições familiares transformaram-se em corridas de caricas, depois de elaborada pista com curvas apertadas, rampas, quedas fatais, num jogo de paciência e perícia.

6_Caricas

E mesmo quando as marés apagam todos os vestígios resta sempre o mais importante: a cumplicidade, as gargalhadas, as memórias, as raízes que nos agarram ao essencial.

E guardam-se momentos inesquecíveis, como o dia em que encontrei uma sereia deitada na areia: o meu maior feito (juntamente com um pirata esquivo).

Tubarão!

Ainda se lembram do real festim? Pois bem, as amigas que na altura estiveram cá, resolveram depois fazer em sua casa uma festa aquática. O convite mencionava inúmeras diversões à borda da piscina – saltos para a água, corridas, salvamento de sereia – e fantasias a rigor, de acordo com a temática.

A M. resolveu as coisas de forma fácil. O disfarce de pescador consistia numas calças de ganga enroladas nas pernas, uma camisa aos quadrados, chinelos de dedo e um camaroeiro como adereço.
O L. ficou indeciso mas lembrou-se do Shark Boy, um filme de que gostava bastante (como gosta de tudo que seja marinho). Para isso o acessório fundamental era a barbatana dorsal. Depois de vários planos, a questão foi resolvida com uma estrutura feita com esferovite grossa, revestida com pacotes de leite, material resistente e muito versátil.

Barbatana pronta, surgiu o problema seguinte. Como a usar? Colar numa t-shirt velha estava fora de questão, porque não ficaria suficientemente direita e havia o risco de descolar quando entrasse na água. Lembrei-me então de a colocar como uma mochila, com fitas seguras nos ombros e outra a passar pelo peito.
Encontrámos por aqui umas borrachas velhas que, com agrafador, velcro e um colchete para maior segurança, e após várias tentativas de ajuste, cumpriram a função.

Ao ver a primeira foto, quem diria que não é um verdadeiro tubarão, encontrado em Trás-os-Montes, a nadar numa piscina biológica?

Agora tenho pena de não ter fotos da menina de longos cabelos pelas costas, com as duas pernas enfiadas numa só perna de um collant cor-de-rosa, que lhe davam o aspeto de uma pequena sereia. Tal como não tenho imagens dos peixes de papel colorido que adornavam a festa.
Coisas simples, que tornaram os mergulhos na piscina numa tarde memorável.