Respiga de outono

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Jean-Claude é um amigo suíço que vive na ilha do Pico há mais de 20 anos. Homem de mil ofícios, é acima de tudo um chef de primeira linha, autodidata, que tem um enorme prazer em cozinhar. Quando nos visita, cedo-lhe os tachos e aventais porque ele faz questão de nos preparar refeições memoráveis, que relembraremos durante anos a fio. Eu limito-me a ficar ao lado, à conversa com copo de vinho, a tomar nota daquilo que ele faz, e mais tarde arrumo na pasta “receitas do João”, mas raramente me atrevo a tentar. Sei que me vai faltar o seu toque mágico, a pitada disto e daquilo que adiciona à medida que vai provando, mais o tempo certo para apurar. Na cozinha, o João é um intérprete de jazz, um improvisador nato e talentoso.

O que mais gosto é vê-lo a sair para o campo com uma cesta e voltar com ela cheia de coisas que apanha por ali, dizendo com o seu delicioso sotaque açoriano
“Vocês têm tudo aqui. Têm tudo”.
Tudo são as maçãs do chão do lameiro, com que ele prepara uma sobremesa, são as castanhas que acompanharão um assado num dia, e no seguinte servirão para uma sopa com cogumelos com um toque de caril, são as uvas transformadas num molho a acompanhar perna de borrego na brasa – isto no outono. Na primavera são as folhas de chicória e dentes-de-leão que eu não saberia distinguir entre as ervas rasteiras e ele traz para casa para servir numa salada diferente.

Não tenho o talento do João nem da Monique (cuja especialidade são as sobremesas e as compotas a que dá sempre um toque invulgar), mas sei que nesta altura o campo está cheio de coisas a que ninguém dá uso ou valor. Maçãs pequenas, bichadas mas sumarentas, gordas amoras, abrunhos silvestres, lindíssimos frutos vermelhos dos pilriteiros com que se faz uma geleia que ainda hei de tentar fazer.

Para já limitei-me a fazer uma compota de maçã com cravinho e cardomo, a indispensável compota de amoras, cuja confeção me remete sempre para os passeios de bicicleta que fazia para apanhar os frutos negros nas tardes de setembro antes do começo das aulas. E o licor de abrunhos silvestres, que passou a ser tradição da casa desde que me aventurei a fazê-lo no outono passado.

Vim a saber que este licor é uma especialidade do País Vasco e de Navarra, que ali toma o nome de pacharán e é preparado com anis. Mas a receita que tenho é inglesa, e por isso elaborada com gin.
O resultado será um gin rosado e aromático, ideal para juntar a água tónica e saborear no verão, sentados lá fora, ao lado da sebe de abrunheiros e roseiras-bravas.